Rir é uma cura

Há um presente para se dar nestes dias e muitas vezes também. Na rua, no escritório, de manhã em frente ao espelho. Em todos os lugares. Deseje algo muito leve, que seja ao mesmo tempo sábio como os óculos no nariz do Coelho Branco, e clarividente: desafiando o horror de certos acontecimentos, permita-se rir, eis o presente. Ria, e continue rindo. Façam juntos, se possível: nada é mais forte, ao unir duas pessoas, do que rir juntos de tudo, até do mais estúpido.

Rir é a melhor terapia

Muito poderosa arma de sedução em massa, assim como a essência de nossa inteligência, o humor é um sofisticado mecanismo de evolução que o homem desenvolveu para contornar seus medos primordiais.Quem sabe rir racionalmente de seus medos os faz desaparecer. São poucos os que realmente tentam e não te aborrecem. Paz Padilla, um rosto conhecido na Espanha, chegou até nós por aclamação. Comediante, atriz e apresentadora, ela contou com amor e humor para vencer o medo da morte: em 2020 ela perdeu pela primeira vez a mãe e depois de alguns meses, Anton, seu companheiro, de um tumor cerebral.

O caminho mais curto entre duas pessoas

Ela então escreveu Love, Pain and Humor (HarperCollins), um best-seller em que narra a jornada que fez para acompanhar Anton, aceitar sua morte e se reencontrar, o prazer das pequenas coisas: tudo, graças a isso presente que ela dá a si mesma e aos outros. RIR. «O riso é o caminho mais curto entre duas pessoas, mas não só. Você também pode rir sozinho justamente porque o riso é uma emoção e, como tal, é o resultado de um sentimento. Quando nos sentimos bem consigo próprios, todas as emoções fluem ao mesmo nível e é daí que sai o riso, fruto de um trabalho interior» explica Paz, 52 anos, andaluza, ex-enfermeira de um hospital de Cádis.

Rir até o fim

«Eu rio com todo mundo. Com meus amigos, na TV. Com a minha filha procuro sempre encontrar o lado bom de tudo. O que me faz rir mesmo é o humor surrealista, aquele que não existe e se existir é improvável que aconteça. Como é que tudo começou? Minha mãe e minha avó eram pessoas muito engraçadas, não havia situação difícil em que não encontrassem lados positivos. Um dia descobri que os outros, rindo comigo, estavam bem. Percebi que era meu dom e mudei minha vida. Eu poderia mudar de emprego, mas toda vez que subo no palco é como alimentar minha alma. Espero aposentar-me a rir» confessa Paz da altura dos seus 188 cm.

Procurando o que te faz feliz

Enquanto isso, a busca pela hilaridade parece nos unir. Em Milão, está em curso uma exposição que celebra a capacidade de dar forma aos sentimentos com um jogo que todos temos à mão: em frente à Arte do Tijolo (até 22 de agosto), tijolo a tijolo voltamos a ser crianças.Poder dos legos, infância sem fim e sem videojogos e telemóveis. Na ausência de estímulos ambientais, como TV ou rádio, a ciência também nos diz que as pessoas riem cerca de trinta vezes mais em situações sociais do que quando estão sozinhas. Em todo caso, sorrimos com mais frequência em situações espontâneas do que em eventos organizados: para sorrir não é preciso uma piada, mas outra pessoa.

É assim para as crianças também. Se já aos três meses são capazes de distinguir expressões faciais de felicidade, raiva e medo, também é verdade que observam rostos sorridentes por mais tempo. Os pais que brincam de palhaço para fazer um recém-nascido sorrir são uma confirmação: as emoções positivas fortalecem o vínculo entre filhos e pais e influenciam seu desenvolvimento cognitivo. Então acontece que crescemos, o desconforto abre espaço na vida e pensamos em tudo, menos no riso. «O papel do riso na psicoterapia sempre foi debatido. Se outrora se pensava que era prejudicial, agora é sublinhada a sua relevância» explica Roberta Rubbino, psicoterapeuta do A.T. Beck de Roma.

O valor da aliança

«O riso é harmonia e co-regulação, é um momento de partilha onde ambos se sentem seguros. O riso pode comunicar cooperação, constrangimento, desvalorização, sarcasmo, ironia”, continua ele. «Para ser eficaz, a psicoterapia deve ter como marco uma boa aliança terapêutica. O riso, nessa aliança, não pode ser excluído, pois pode se tornar um canal pelo qual o paciente comunica a emoção que está sentindo e sua intensidade, como se fosse um verdadeiro ponto de exclamação no final de uma frase. Da mesma forma, o riso do terapeuta tem um significado importante para ele, é como se estivesse dizendo a ele: “Gosto de trabalhar com você e estou muito interessado no que você está me dizendo”.

A potência desse não-dito é facilmente imaginável principalmente para todos aqueles pacientes que têm em sua memória autobiográfica a figura do outro como ausente ou indiferente.São pessoas que se sentiram indesejáveis ao longo do tempo. Rir juntos será uma ferramenta poderosa para eles refutarem essas crenças. Uma risada entre terapeuta e paciente demonstra que o processo não é composto por um "ser defeituoso" a ser consertado pelo "são" sentado à sua frente. O terapeuta é antes de tudo humano. Por isso o riso fortalece a relação, torna o problema menos catastrófico e é uma arma contra aquela sensação de opressão que atrasa as mudanças na vida» acrescenta Rubbino.

Fora da sala do analista, porém, existem nossos estilos de vida e agendas lotadas. E se rirmos mais, encontrar tempo para isso se torna quase estressante.

Autoaceitação

«O inimigo do riso é o isolamento, a rivalidade, o medo do julgamento alheio, o pouco tempo dedicado ao convívio social. E se alguém pensa que o riso é apenas leveza, esqueça o quanto ele realmente comunica segurança e aceitação para os outros, mas também para si mesmo.Deste ponto de vista, pode ser útil utilizar no nosso quotidiano a técnica do meio sorriso, uma ferramenta da Terapia Comportamental Dialética (DBT) criada por Marsha Linehan», continua Rubbino.

«Na verdade, esboçar um pequeno sorriso é a forma de aceitar a realidade com o nosso corpo e ajudar a nossa auto-regulação emocional. As emoções estão parcialmente relacionadas com as expressões faciais e fazer um pequeno sorriso serve para nos dar informações sobre o que estamos sentindo. Apenas relaxe os músculos da face, pescoço e ombros e depois insinue um meio sorriso com os lábios, quase imperceptível, tentando adotar uma expressão facial serena. Não é necessário que mais ninguém o veja, mas é essencial que quem o faz sinta. Nesse momento estamos nos comunicando com nosso cérebro e fazendo um carinho muito poderoso" .

Rindo profissionalmente

A propósito, se já demos algumas risadas este ano, devemos isso à série de TV unida por um objetivo: nos ajudar a aceitar as fraquezas com inteligência e um meio sorriso.

Do italiano Boris ao surreal The Good Place, do sagaz método Kominsky ao hilário Grace and Frankie. Sergio Salomone, professor de literatura em uma escola secundária em Milão, participou das seleções de Zelig. «Creio que a profissão, no meu caso a de professor, conta apenas uma faceta da personalidade. Você se acostuma a desempenhar um papel e pensa que a vida é isso. Mas não somos apenas uma pequena engrenagem de um mecanismo geral: somos surpresa, alma, voos desajeitados. Acredito muito na necessidade de voltar a jogar, por isso participei» diz o professor de 46 anos com um sorriso nos olhos.

«A comédia é uma linguagem poderosa que através da hipérbole, da ironia, da reiteração de alguns conceitos, da fuga das expectativas do público, consegue transmitir reflexões muito poderosas. No palco, falei levemente sobre a escola, um universo cheio de ideias. Muitas vezes os professores estão assustados e incertos e simulam certezas graníticas, mas têm a mesma fragilidade, idêntica aos alunos», diz Sergio.

«Na minha vida privada, raramente vejo melancolia, tenho uma abordagem festiva da existência. Precisamente por sermos presenças fugazes, nunca devemos nos levar muito a sério e, no mínimo, aprender a fazer as pazes com o medo da morte. O maior inimigo do riso? A f alta cada vez mais dramática de uma rede social: amizade, amor, família, arte, abertura ao mundo determinam uma atitude positiva predisposta à leveza e ao encanto. Onde acaba a fé, começa a ironia, que é uma nova criação. Adoro Troisi porque ele silencia a linguagem e a transforma em música misteriosa. E depois Jacques Tati: um comediante brilhante que recriou mundos inteiros» conclui Salomone.

O gênio de Woody Allen

Cada um tenta fazer do seu jeito e na página escrita de qualquer forma é ainda mais difícil: fazer rir, sem depender da expressão facial, é muito mais difícil. Woody Allen, depois de quinze anos, tenta novamente com a coleção Zero Gravity (La nave di Teseo).Criança prodígio do riso (começou a vender as suas piadas aos 15 anos), encontramo-lo no conhecido papel do bobo da corte intelectual que, como escreve no conto Growing up in Manhattan, faz malabarismos com aquela mistura de leviandade romântica e descrença atônita em “um mundo feito de propósito para que ele nunca pudesse entendê-lo”. Um sentimento que nos preocupa hoje. Todos, sem exceção.

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