Pensamento binário: a renúncia ao pensamento articulado

Certo ou errado. Razão ou sentimento. Inteligente ou ignorante. Bom ou mal. Muitas pesquisas cerebrais mostram que a maioria das pessoas se inclina para uma descrição do mundo em preto e branco, ou aqui ou ali. Isso acontece porque o cérebro escolhe um modo que requer esforço mínimo, baixo consumo de energia mental. Dividir cada aspecto da vida em duas categorias é mais confortável do que pesar a complexidade de uma situação.

Sem discutir muito consigo mesmo, sem duvidar, decide-se de que lado ficar e como classificar a realidade que se apresenta: natural ou artificial, hétero ou gay, residente ou estrangeiro.Inserir dados em esquemas pré-estabelecidos não exige esforço, é uma abreviação de conceitos e palavras. E é reconfortante colocar tudo no seu lugar, como numa casa arrumada, onde você sempre sabe onde pegar as meias e em qual gaveta encontrar os lençóis.

Adicione o prazer que você sente quando alguém vê o mundo como nós o vemos, um político, um amigo, um grupo. Temos nosso nicho confortável, estamos mais preparados para enfrentar o futuro armados de nossas certezas.

Relacionamentos são complexos, porém, o mundo de hoje é. Usar simplificações apenas aparentemente torna as coisas mais fáceis, mas é uma armadilha. “O pensamento binário torna a vida menos interessante”, diz o último livro do escritor e naturalista americano Gary Ferguson, The Eight Masterful Lessons. Como a natureza nos ensina a viver (Mondadori).

«Confiar com muita frequência no pensamento categórico, excluindo a possibilidade de que a vida contenha algum tipo de selvageria incognoscível, pode gerar tristeza e insatisfação.John Teasdale, psicólogo da Universidade de Cambridge, descobriu que pacientes em terapia com um "estilo de pensamento absolutista e dicotômico" correm alto risco de depressão.

Neurocientistas da Reading, outra universidade britânica, realizaram um estudo com 6.400 participantes em discussões online dedicadas à depressão e ansiedade pessoais e verificaram que a linguagem absolutista era 50% maior do que a média encontrada na fala das pessoas.

O pensamento binário das redes sociais

Quando pensamos em nós mesmos, percebemos mil nuances e é assim que, em cores, devemos tentar refletir com mais frequência sobre os outros e sobre as circunstâncias. Somos complexidades magníficas. O computador, como o smartphone e qualquer dispositivo eletrônico, é capaz de reconhecer dois estados físicos: ligado, no caso de passagem de corrente elétrica, ou desligado, na ausência de tensão elétrica.Por esse motivo, a linguagem computacional é baseada no sistema binário, no qual a informação (Bit) é representada pelas sequências de 0 e 1.

Acreditamos estar seguros porque imaginamos que contrapomos a inteligência artificial com os dons de nossas inteligências multiformes, musicais, emocionais, motoras ou sociais. E ainda, a Net e as redes sociais tendem a nos prender a códigos binários, possuem mecanismos internos para polarizar teses. No emaranhado dos algoritmos dos buscadores e das redes sociais, nos perfis de sucesso dos usuários, muitas vezes não é a reflexão calma ou a informação completa que vence, mas o bordão, a piada extrema, até uma arrogância que na vida real seria inaceitável.

Preto e branco atrai cliques e empurra para formar uma opinião rápida sobre tudo, com uma leitura superficial dos acontecimentos. Até a TV oferece programas que dependem de um julgamento drástico, com um grupo de competidores sendo examinados por um júri de especialistas.Ou você está dentro ou está fora.

Certezas são redutivas

A vida não é uma corrida na TV, não é um tweet ou um reel no Instagram. O pensamento binário tende a produzir veredictos e o passo da sentença pessoal à condenação não é longo. Mais alguns passos e o pouso é agressão, ódio. Nas ideologias, no racismo, nas torcidas exasperadas, o engenho humano se achata, apoiando-se em afirmações absolutizantes e certezas redutoras.

Descobriu-se que o hábito do pensamento binário deriva de uma área específica do cérebro, os lobos frontais. “São eles que ajudam você a identificar um problema no trabalho e, em seguida, fazem um brainstorm com os colegas para descobrir como resolvê-lo”, escreve Ferguson. «Além disso, permitem-lhe regressar ao escritório no dia seguinte lembrando-se perfeitamente do que todos disseram na reunião do dia anterior e colocar em prática as soluções pensadas. Graças aos lobos frontais podemos dividir o mundo, colocando em relativo isolamento aquelas coisas que requerem atenção imediata.

O risco da superficialidade

Olhar em preto e branco é útil em alguns contextos e é valioso para poder sustentar uma tese com força, mas somente depois de ter raciocinado, caso contrário, você corre o risco de ser superficial em vez de pensador.

Segundo Ferguson, não há lugar melhor do que a natureza para umas férias com um pensamento binário e categórico: «Mesmo que nossa mente habitual nos leve para a floresta com a ideia de que veados, falcões e morangos são bons enquanto voam e mosquitos ruins, uma investigação real, embora não nos faça apreciar mais os insetos, pelo menos nos permitiria ampliar um pouco nossa percepção das nuances. As moscas são os principais polinizadores de qualquer espécie de planta, das orquídeas ao trílio, e para piorar, sendo animais decompositores, são mestres absolutos em preparar coisas mortas para voltarem a ser vivas. As moscas comem tantos pulgões e lagartas que talvez seja seguro dizer que elas são as grandes responsáveis pelo sucesso das safras agrícolas mundiais.Os mosquitos, por outro lado, alimentam todos os tipos de animais, de peixes a lagartos, de pássaros a salamandras.

Ajuda da natureza

Quando os pensamentos não se curvam às dúvidas, ficam rígidos e tornam-se incapazes de compreender o arco-íris de possibilidades que a existência oferece. «A natureza também pode quebrar o pensamento binário de outras maneiras», continua Ferguson.

«Pense por um minuto que a grande maioria das flores e plantas que enfeitam a Terra são hermafroditas. A grama em nossos jardins, os lírios, rosas, abóboras, milho e pepinos em nossas hortas têm sistemas reprodutivos masculinos e femininos. Ao mesmo tempo, há um número impressionante de peixes, águas-vivas, ostras e outros moluscos que podem passar de macho para fêmea conforme necessário e vice-versa, com base no que suas comunidades precisam em um determinado momento. Portanto, essa divisão binária - segundo a qual tudo deve ser masculino ou feminino - é uma ilusão.E, como muitas de nossas ilusões, coloca outra camada de tijolos na parede que nos mantém desconectados do funcionamento do mundo.”

Eliana Liotta é jornalista, escritora e divulgadora da ciência. Em iodonna.it e nas principais plataformas (Spreaker, Spotify, Apple Podcast e Google Podcast) você pode encontrar sua série de podcasts Il bene che mi voglio. IR AO PODCAST

Artigos interessantes...